Maria da Glória Gohn: Protests in Brazil

"2015 Brazil protests collage" by Agencia Brasil / Brasilia protest - Brazil 15 March 2015.jpg. Licensed under CC BY 2.0 via Wikimedia Commons - https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2015_Brazil_protests_collage.jpg#/media/File:2015_Brzil_protests_collage.jpg

 

Os Protestos recentes no Brasil: 2013-2015

Protests in Brazil (English) | Portuguese

Maria da Glória Gohn

UNICAM/CNPq, Brazil

 

No Brasil manifestações de movimentos sociais em espaços ganharam maior visibilidade nas últimas décadas do século XX quando construíram significados novos às lutas sociais, colaborado para a construção da cidadania dos brasileiros e contribuído para o processo de consolidação da democracia.

A partir de 2013 novos atores entraram em cena e mudaram o panorama das manifestações no Brasil com multidões nas ruas após serem convocadas por redes sociais On Line. Estima-se que mais de um milhão de pessoas saíram às ruas no Brasil no mês de Junho de 2013 em manifestações que tinha um foco inicial: as tarifas dos transportes coletivos. Depois ampliou o repertório de demandas para outras áreas do serviço público, para denúncias de corrupção e uso do dinheiro público com a Copa do Mundo. O Movimento Passe Livre-MPL, criado em 2005, teve atuação decisiva na ativação/convocação dos atos de protesto nas ruas. Houve grande protagonismo de jovens, organizados em coletivos que convocavam on line os atos públicos, realizados sem bandeira partidárias ou camisetas e carros de som de sindicatos.

Logo após Junho de 2013 as manifestações não tiveram continuidade em termos de mobilização de massa, os atos de protestos foram tópicos, com focos específicos tais como:# Não vai ter Copa, Ocupações urbanas, greves de profissionais da educação pública etc Cenas de violência protagonizadas pela polícia e pelos Black Blocs, levaram a criminalização de vários participantes dos protestos, e o refluxo das manifestações.

Em 2014, os novíssimos atores de Junho de 2013 continuaram nas ruas em tímidos atos contra a COPA do futebol no Brasil e seus grandes gastos, não atraindo a maioria da população. Durante o período eleitoral para a presidência da república em 2014 ocorreu intensa mobilização das redes sociais e alguns grupos que terão grande atuação em 2015 foram criados durante este período eleitoral.

A Multidão Retorna às Ruas: 15 de Março de 2015

Em Março de 2015 novas manifestações de massa irrompem nas ruas do Brasil, com características totalmente diferentes das de Junho de 2013, pelo repertório das demandas, grupos sociais que as convocam, composição social e faixa etária dos participantes. A questão política entra em cena como divisor de água entre aqueles que apoiam o governo da Presidente Dilma Rousseff e aqueles que são contra ao seu governo, pelas políticas adotadas ou anunciadas por ele, ou por convicções próprias. Ocorre uma divisão entre diferentes tipos de manifestações. Uma enfatiza na pauta a corrupção, especialmente em empresas públicas, como a Petrobrás, investigadas pelo Ministério Público Federal, questiona os políticos, pede o impeachment da presidente Dilma Rousseff e é contra o Partido dos Trabalhadores. A outra questiona novas políticas públicas governo da presidente Dilma Rousseff, especialmente a do ajuste fiscal econômico, mas não é contra o governo como um todo.

Neste cenário, duas manifestações se destacaram em Março de 2015. A primeira no dia 13, em várias capitais brasileiras organizadas pelo MST-Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, CUT –Central única dos Trabalhadores, UNE-União Nacional dos Estudantes, entre outros, com demandas trabalhistas mas de apoio ao governo federal. Embora tenha reunido centenas de militantes em inúmeras capitais e cidades de todo o Brasil, 13 de Março teve um público pequeno, comparado com a que ocorreu dois dias depois.

No dia 15 de Março 2015 a multidão retornou às ruas e esta foi a novidade na cena pública. Aparentemente foi uma retomada de Junho de 2013, mas só na questão numérica. Os manifestantes foram ativados via redes sociais, especialmente por novos grupos criados a partir de 2013 ampliando o espectro dos matizes políticas dos atores, trazendo para a cena do protesto social nas ruas grupos que se apresentam em público como de oposição ao atual governo federal brasileiro, mas buscam não se identificar com partidos políticos, mesmo com os da oposição. Faixas e cartazes de partidos políticos foram proibidas, assim como a fala de membros do parlamento. A predominância dos jovens em Junho de 2013 foi substituída por pessoas de todas as faixas etárias, especialmente famílias que levaram seus filhos. Certamente foi o batismo na política para estas crianças, assim como um momento educativo, que alguns denominaram de ‘cidadania cívica’. Dentre os novos grupos organizadores do ato de 15 de Março em São Paulo, destacam-se: “Vem Pra Rua” – VPR e “Movimento Brasil Livre” – MBL, entre outras dez novas siglas/grupos. A manifestação de 15 de Março de 2015 entrará certamente para a história dos atos de protestos de grande dimensão no Brasil, apesar da polêmica quanto ao seu número real de participantes. Segundo a Polícia Militar, mais de 2 milhões de pessoas saíram às ruas no país neste dia, sendo só em São Paulo, hum milhão. O Datafolha publicou que foram 210 mil em São Paulo.

Em 12 de Abril houve nova manifestação convocada pelos mesmos grupos e o afluxo de manifestantes nas ruas foi menos da metade em relação a 15 de Março. Em São Paulo, novamente na Av. Paulista, ocorreu o ato com maior número de participantes do país: 100 mil segundo o Datafolha e 275 mil segundo a Polícia Militar. Com números menores, o 12 de Abril foi mais enfático em dois itens: “Impeachment de Dilma e o Fora PT”.

As manifestações de 15 de Março e 12 de Abril trouxeram para as ruas não apenas novas camadas sociais-especialmente as classes médias. Elas trouxeram novos repertórios de demandas nas ações coletivas que até então eram tímidos ou inexistes nos protestos nas ruas. A pluralidade da sociedade civil e a diversidade das opiniões sobre a política e o governo vieram à tona. A dinâmica do processo da contestação social ampliou-se à medida que a mobilização da opinião pública, realizada principalmente através das redes sociais, atuaram como agentes de organização das manifestações de rua. Com isso deu-se impulso para campanhas de politização em torno de diversos temas, gerou-se novas imagens e representações sociais sobre a crise econômica e política no Brasil atual.

A organização ao redor de redes e não de uma organização ou dado movimento específico, tem possibilitado novas dinâmicas aos protestos sociais, que fogem do controle das organizações já institucionalizadas, tais como UNE, CUT, MST etc. Por tudo isso, a partir de 2013 é preciso repensar as análises sobre a lógica da ação coletiva organizada diferenciando-a quando ocorre a partir de grupos, estruturas políticas e organizacionais dos movimentos já tidos como tradicionais na cena brasileira, nas últimas décadas, e as lógicas advindas do engajamento individual dos participantes das manifestações a partir de 2013, convocadas por uma pluralidade de grupos sociais e políticos, para uma melhor compreensão das condições de emergência e de transformação do ativismo nas ruas, na atualidade.

O apelo à participação à população na manifestação de 15 de Março de 2015 se fez baseado em critérios e valores morais, apelo à ética, contra a corrupção, e não ao passado de luta e militância dos participantes. Vários comentaristas, na mídia, desqualificaram as manifestações de 15 de Março e 12 de Abril , dizendo que o povo da periferia não estava presente. De fato, o Datafolha publicou em 13 de Abril, pesquisa sobre o ato do dia anterior, onde 73% dos manifestantes se declaram brancos e apenas 14% com renda até 3 salários mínimos. Mas fixar-se apenas nos indicadores de cor e renda esquecem-se de que as grandes mobilizações de massa ocorridas no Brasil, em 1964 e 1968, em 1984 (Diretas Já), 1992 (Movimento Caras Pintadas e Impeachment do ex presidente Collor de Melo), foram protagonizadas basicamente pelas camadas médias, com expressiva participação de estudantes universitários.

Conclusão

Na nossa interpretação, as manifestações no Brasil a partir de 2013 são movimentos que construíram significados novos às lutas sociais. Certamente que seus protestos vão além do ativismo digital, que é um meio para um fim-a manifestação propriamente dita. Há múltiplos processos de subjetivação na construção dos sujeitos em ação – os acontecimentos no calor da hora provocam reações que geram novas frentes da ação coletiva. A composição das mesmas é complexa, diversificada, com múltiplos atores, propostas e concepções sobre a política, a sociedade, o governo. As emoções-dos indivíduos e coletivos ganham destaque nos protestos políticos, porque eles podem assumir papel ativo da construção do social. Mas são protestos que também negam a política partidária atual.

A democracia ampliou-se e as manifestações demonstram-nos que ela é um processo em construção, não algo dado ou encerrado. Um dos grandes legados de Junho de 2013 foi a legitimação do protesto social como forma de busca por mudanças conjunturais. A longo prazo, este tipo de mobilização produz A imagens sobre outros modos de vida e valores na sociedade, valores estes que remetem ao campo dos direitos, uma nova geração de direitos. As multidões têm aderido às ruas, às manifestações, como forma legítima de pressionar por mudanças. A longo prazo, este tipo de mobilização produz imagens sobre outros modos de vida e valores na sociedade, valores estes que remetem ao campo dos direitos, uma nova geração de direitos.

A política é afetada e a correlação das forças político-partidárias é tensionada, ao ponto de termos uma grande virada entre 2013-2015: de repertórios de ação sobre demandas específicas e localizadas-aumento das tarifas de transportes, passar para questões éticas com um foco determinado: um partido político, e a presidência do país.

 

Maria da Glória Gohn is a sociology professor at the University of Campinas (UNICAMP) and affiliated as a researcher with the National Council of Research (CNPq) in Brazil. She obtained her PhD at the University of São Paulo. Her research and teaching interests focus on social movements, social theory, urban participatory councils, social mobilization by NGOs. She has published 20 books, including her Manifestações de Junho de 2013 no Brasil e Praças dos Indignados no Mundo (2015, 2nd ed.); Sociologia dos Movimentos Sociais (2014, 2nd ed.); Movimentos Sociais e Redes de Mobilizações no Brasil Contemporâneo (2014, 7th ed.), Teorias dos Movimentos Sociais (2014, 11th ed.), Novas Teorias dos Movimentos Sociais (2014, 5th ed.), Movimentos Sociais no Início do Século XXI (2015, 7th ed.).

 

Banner image: Protest in Brasilia, 15 March 2015. (Agência Brasil, licensed under CC BY 2.0 via Wikimedia Commons) “2015 Brazil protests collage” by Agência Brasil – This file has been extracted from another file: Brasília protest – Brazil 15 March 2015.jpg. Licensed under CC BY 2.0 via Wikimedia Commons – https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2015_Brazil_protests_collage.jpg#/media/File:2015_Brazil_protests_collage.jpg

 

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